
A criação da Política Nacional de Bioeconomia, em discussão na Câmara dos Deputados, levantou o debate sobre quem de fato sustenta a chamada economia verde no Brasil. Durante audiência pública nesta terça-feira (4), representantes de organizações e cooperativas pediram que o projeto de lei complementar (PLP 150/22) reconheça o protagonismo de povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares na conservação dos ecossistemas e no desenvolvimento de produtos sustentáveis.
O debate foi promovido pelas comissões de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional e da Amazônia e da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, a partir de requerimentos da deputada Dandara (PT-MG) e do deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP).
O PLP 150/2022, de autoria do deputado Da Vitória (PP-ES) e outros, institui a Política Nacional de Bioeconomia e altera leis que tratam do planejamento do desenvolvimento nacional e da política sobre mudanças climáticas. A proposta tramita em regime de prioridade e está atualmente sob relatoria da deputada Socorro Neri (PP-AC) na Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.
Apresentado em dezembro de 2022, o texto passou por designações e devoluções de relatorias e, em 2025, chegou a ser debatido em audiências conjuntas com a Comissão da Amazônia. Um requerimento do deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) pede que a proposta também seja analisada pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, devido à relevância do tema para o setor.
“Projeto precisa incorporar saberes tradicionais”
Durante a audiência, João Cerqueira, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), afirmou que o projeto precisa incorporar de forma explícita os territórios e os saberes tradicionais como elementos centrais da política. “Hoje, o texto prioriza a competitividade industrial e a inovação tecnológica, mas deixa de lado os aspectos sociais, culturais e territoriais que sustentam a socioeconomia”, disse.
Entre as propostas apresentadas pelo ISPN estão o reconhecimento formal de comunidades tradicionais e agricultores familiares como protagonistas da conservação da biodiversidade e a inclusão de políticas de agroecologia, agricultura orgânica e circuitos curtos de comercialização entre as diretrizes da nova lei. Cerqueira também defendeu a garantia dos territórios coletivos como condição básica para o sucesso da política. “Não existe bioeconomia sem território garantido. Proteger essas áreas é uma ação de justiça social, mas também estratégica e climática”, afirmou.
A produtora Dionete Figueiredo, da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base em Economia Solidária (Copabase), levou à audiência um exemplo concreto do que está em jogo. A cooperativa, sediada em Arinos (MG), gera renda para mais de 300 famílias a partir do processamento do barú, uma castanha típica do Cerrado. “É uma das sementes mais nutritivas do mundo e hoje representa 50% do nosso faturamento. Mas seguimos sem o reconhecimento formal, nem mesmo temos um CNAE para o barú”, afirmou.

Dionete contou que a Copabase produz polpas de frutas e sucos destinados à merenda escolar, mas enfrenta entraves burocráticos e falta de crédito. “Levamos dez anos para o Banco do Brasil aprovar nosso capital de giro. Enquanto isso, grandes empresas conseguem financiamento em dias. Não queremos privilégio, queremos ser tratados com o mesmo valor”, disse.
A produtora ressaltou que o trabalho da cooperativa vai além da geração de renda. “Quando o agricultor passa a ver o baruzeiro como fonte de sustento, ele deixa de derrubar a árvore. O Cerrado fica em pé, e com ele nascem novas oportunidades”, afirmou.
O que diz o MMA
A secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Carina Pimenta, destacou a importância de alinhar o PLP 150/22 com outras propostas em tramitação, como o PL 1855/2024, em análise no Senado e originário do Fórum de Geração Ecológica. “Esse projeto trata das economias da biodiversidade e traz um debate robusto sobre as especificidades da sociobiodiversidade. É importante olharmos para os conteúdos entre eles, porque são complementares e sinérgicos”, disse.
Pimenta também defendeu a criação de um Sistema Nacional de Dados e Informações da Bioeconomia, que já está sendo estruturado pelo Executivo. Segundo ela, o sistema deve ajudar a superar a invisibilidade de cadeias produtivas e produtos da sociobiodiversidade. “O barú é um caso emblemático: não há nomenclatura de mercado livre, e isso impede até a exportação. O sistema pode ter a função de trazer visibilidade e dados para dentro e para fora do país”, afirmou.

Ela ressaltou ainda a dimensão social da política. “Quando falamos das economias da sociobiodiversidade, temos dificuldade até de estimar o número de pessoas envolvidas. No ministério, trabalhamos com uma projeção de cerca de 9 milhões de brasileiros atuando diretamente nesses sistemas produtivos sustentáveis, entre povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e agricultores familiares. Essa política precisa ser feita para eles, com instrumentos à altura dessa escala”, completou.
Parlamentares da comissão defenderam que o texto final do PLP 150/22 contemple a pluralidade da bioeconomia brasileira, um conceito que, nas palavras dos próprios deputados, deve unir ciência e saber popular.
A relatora Socorro Neri (PP-AC) deve receber nos próximos dias uma nota técnica elaborada por organizações da sociedade civil com sugestões de aprimoramento do texto. O objetivo, segundo os participantes da audiência, é fazer com que a lei reflita o papel histórico das comunidades que mantêm as florestas em pé e alimentam o país.

