
Em um galpão de Pontal do Araguaia, no leste de Mato Grosso, máquinas recém-instaladas aguardam o início de uma experiência ainda pouco explorada no país: a produção de etanol a partir do pequi, fruto símbolo do Cerrado. A fábrica, ainda em fase final de licenciamento, faz parte de uma plataforma financiada pelo Programa REM MT (REDD Early Movers), iniciativa dos governos da Alemanha e do Reino Unido que remunera o estado por reduzir o desmatamento e investe em alternativas sustentáveis de geração de renda.
O projeto, com investimento de R$ 16 milhões, prevê a transformação de parte do fruto em etanol de segunda geração, combustível renovável com menor emissão de carbono. “Eles pretendem usar esse material como fonte de carboidrato para a produção de etanol”, explica Henrique Ramos, coordenador do Subprograma de Agricultura Familiar, Povos e Comunidades Tradicionais da REM MT.
A plataforma faz parte de um conjunto mais amplo de ações apoiadas pelo programa, que vem espalhando pelo estado pequenas agroindústrias de base comunitária. Uma delas foi inaugurada em março deste ano no município de Alto Paraguai, também financiada pelo REM MT. A unidade, instalada no assentamento Água Santa, processa pequi e outras frutas nativas, como jatobá e baru, e beneficia diretamente 99 famílias de oito assentamentos rurais da região.
Com investimento de R$ 1,6 milhão, a agroindústria recebeu câmaras frias, caminhão para coleta e equipamentos de processamento, além de capacitação em boas práticas e elaboração de um plano de negócios. A operação é conduzida pela Cooperativa Regional de Prestação de Serviço e Solidariedade (Coperrede), que atua há 14 anos com agricultores familiares.
O coordenador do projeto em Alto Paraguai, Nilfo Wandscheer, destacou durante a inauguração que a região conta com cerca de 70 hectares de Cerrado nativo de onde o pequi é coletado de forma sustentável. A iniciativa busca frear o avanço da pecuária extensiva e da monocultura, sendo uma alternativa econômica que não derruba árvores. “É uma forma de manter a vegetação em pé, garantindo renda e reduzindo a pressão sobre o bioma”, afirmou.
O Programa REM MT, coordenado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) e financiado pelo Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), destina recursos do Reino Unido e da Alemanha a projetos que unem conservação e inclusão produtiva. Na primeira fase, o programa apoiou 157 iniciativas e evitou o desmatamento de 160 mil hectares entre 2021 e 2022.
No caso do pequi, o programa aposta em um modelo de bioeconomia que integra ciência, floresta e comunidade. Em Pontal do Araguaia, a fábrica será operada pela CoopCerrado, cooperativa com mais de mil agricultores familiares e 80 grupos de povos indígenas e comunidades tradicionais. O objetivo é transformar frutos antes destinados apenas ao consumo local em produtos de valor agregado, capazes de abastecer indústrias de cosméticos, alimentos e biocombustíveis.

Henrique Ramos afirma que empresas como Natura e O Boticário já demonstraram interesse no insumo. “É uma forma de descarbonizar a cadeia produtiva, ao substituir matérias-primas fósseis por produtos da sociobiodiversidade”, afirma.
A coleta do fruto, feita em áreas nativas, reduz o desmatamento e fortalece comunidades tradicionais, muitas delas lideradas por mulheres. Microtratores e equipamentos logísticos estão sendo adquiridos para facilitar o transporte do pequi até os pontos de beneficiamento. Experiências anteriores apoiadas pelo programa indicam que projetos semelhantes aumentaram em até um salário e meio a renda média das famílias envolvidas.
O desafio agora é consolidar a produção de etanol de pequi, ainda em fase de testes. A planta industrial precisa concluir o licenciamento operacional e ambiental antes de começar a funcionar. “Estamos finalizando as obras e iniciando os ajustes técnicos. É um processo cuidadoso, porque envolve segurança e controle ambiental”, explica Ramos.
Apesar dos entraves, o REM MT enxerga nas experiências de Alto Paraguai e Pontal do Araguaia um modelo de futuro para o Cerrado: pequenas cadeias produtivas, ancoradas na floresta, que geram energia, renda e preservação.


