
Um pescador de peixes ornamentais do norte de Mato Grosso foi o primeiro a perceber que aquele pequeno lambari de cores vibrantes, laranja com uma faixa preta diagonal não se parecia com nenhum outro. A foto enviada ao ictiólogo Fernando Cesar Paiva Dagosta, professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), confirmou a suspeita: tratava-se de uma espécie inédita para a ciência.
A descoberta foi publicada na revista científica Neotropical Ichthyology (confira aqui), que apresentou oficialmente a Inpaichthys luizae, um tetra de até 5 centímetros que habita afluentes do rio Juruena, no município de Juara (MT). O nome é uma homenagem à filha do pesquisador, Luíza.
“Na hora em que vi a foto, percebi que era uma espécie completamente diferente. Nenhum outro peixe no mundo tem esse padrão de colorido”, contou Dagosta à Rede Sucuri. “Ela tem uma faixa preta em diagonal e uma faixa laranja iridescente. É impossível confundir”.
A combinação de cores torna o pequeno peixe um forte candidato a conquistar espaço em aquários, segundo o pesquisador. “Essas espécies chamativas têm grande apelo no comércio de peixes ornamentais”, diz.
Uma relíquia viva

Além da beleza, a Inpaichthys luizae tem um valor evolutivo especial. Ela é considerada uma “espécie relíquia”, sobrevivente de uma linhagem antiga que desapareceu de outras regiões da América do Sul. Seus parentes mais próximos estão hoje a milhares de quilômetros daqui, nas encostas dos Andes, no Peru e na Colômbia.
“É um testemunho de uma história muito antiga. Esses peixes provavelmente eram distribuídos de forma contínua entre o Mato Grosso e os Andes, mas foram extintos nesse meio do caminho. Só sobraram aqui”, explica Dagosta.
O artigo científico aponta que a presença dessa espécie é uma demonstração da importância dos planaltos do norte de Mato Grosso como refúgio de biodiversidade e peça-chave para entender a evolução dos peixes amazônicos. Dagosta lembra que Mato Grosso, por abrigar três biomas (Amazônia, Cerrado e Pantanal), é um dos lugares mais promissores do país para a descoberta de espécies novas.
“Com certeza, é o estado brasileiro mais interessante do ponto de vista dos lambaris”, afirma. “Enquanto o Pantanal é relativamente pobre em número de espécies, a Amazônia e o Cerrado mato-grossenses abrigam muitos peixes endêmicos, que só ocorrem aqui. Ainda vamos descobrir muitos outros”.
Proteção começa com o nome

Para além da descoberta, dar nome a uma espécie tem implicações práticas. Só com o nome científico é possível incluí-la em avaliações de conservação e, se necessário, criar medidas legais de proteção.
“Um peixe sem nome é invisível para a ciência e para a lei”, afirma o pesquisador. “Quando a gente descreve uma espécie, ela passa a poder ser estudada, monitorada e protegida.”
Por ora, a Inpaichthys luizae vive em riachos bem preservados e sem ameaças imediatas. Mas a beleza que encanta pode se tornar um risco, caso a coleta para aquários cresça descontroladamente. Dagosta acredita, porém, que a divulgação científica pode ajudar. “Quando a sociedade conhece e valoriza essas espécies únicas, a chance de protegê-las aumenta. E isso é o mais importante”, diz.

